Suspender reajustes traz risco ao setor elétrico, dizem advogados

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Suspender reajustes traz risco ao setor elétrico, dizem advogados

Suspender reajustes traz risco ao setor elétrico, dizem advogados

Postado em: 04/05/2022

Suspender reajustes traz risco ao setor elétrico, dizem advogados

Especialistas afirmam que projeto da Câmara é ilegal e inconstitucional; distribuidoras avaliam ir à Justiça

Uma eventual suspensão de reajustes tarifários de energia em 2022, como pretende votar a Câmara dos Deputados, trará insegurança jurídica ao setor. Essa é a avaliação de advogados especialistas em energia ouvidos pelo Poder360, que afirmam que o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 94/2002 é ilegal e inconstitucional.

De autoria do deputado Domingos Neto (PSD-CE), a proposta determinaria a suspensão do reajuste tarifário deste ano da Enel Ceará, homologado pela agência em abril. O processo representa o maior percentual de aumento entre os 13 já autorizados às distribuidoras: 23,99% para consumidores residenciais.

Na 3ª feira (3.mai.2022), o presidente da Câmara, Artur Lira, sinalizou que a medida deve ser estendida a todos os reajustes homologados até agora, não só ao da Enel Ceará.

Para Vitor Alves Brito, advogado e sócio do escritório Sérgio Bermudes, a questão não envolve só o setor elétrico, mas todo o modelo regulatório do Brasil.

“Se for editado um decreto legislativo como esse, vai ser decretado inconstitucional. Não só perante o Supremo, mas todo o judiciário em si. O decreto legislativo foi criado para sustar ato normativo do Executivo que exceda o poder regulamentar. Não é o caso”, disse Alves Brito.

O especialista afirma que, ainda que não se concretize, a própria tentativa do Legislativo é um retrocesso para o país. Diz que a maior parte das tarifas são repassadas pelas distribuidoras para outros agentes do mercado, principalmente para bancar subsídios.

“A quantidade de subsídio hoje que distorce completamente a tarifa é gritante. Temos subsídios para termelétricas a gás natural, carvão, energia renovável, geração distribuída, baixa renda… Que os reajustes são severos para o consumidor não há a menor dúvida, mas, infelizmente, são justamente o Poder Legislativo e o Executivo que distorcem completamente a tarifa”, disse Vitor.

O advogado André Edelstein afirma que é uma prerrogativa da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) gerir os contratos de concessão e autorizar os reajustes. Diz que isso está na Lei 9.427/1996, que criou a agência.

“A Aneel está agindo dentro das competências dela. Você pode até discutir o mérito desse ato. Mas aí não é o Congresso. Poderia ser contestado isso por outros mecanismos de controle, como o TCU, ou até pelo Poder Judiciário”, disse André.

Segundo o especialista, a suspensão abalaria a segurança jurídica dos contratos privados no Brasil e, consequentemente, a confiança dos investidores. E isso durante o processo de capitalização da Eletrobras, a maior empresa do setor elétrico brasileiro.

“Quem assina o contrato confia nas regras de concessão e aí vem um ato e coloca tudo isso por água abaixo. É um precedente muito ruim. Isso afugenta possíveis investidores, que vão entender que o Brasil não é um lugar estável para fazer negócios”, afirmou Edelstein.

ABRADEE FALA EM IR À JUSTIÇA

A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), representante das distribuidoras, afirmou nesta 4ª feira (4.mai.2022) que não descarta recorrer à Justiça se o Congresso Nacional aprovar o projeto. Afirma, no entanto, que confia no entendimento do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Os 13 reajustes de 2022 já concedidos pela Aneel representam aumento médio de 17,7% nas contas de luz dos consumidores residenciais.

Eis os índices autorizados pela agência às distribuidoras até o momento:

Segundo o presidente da Abradee, Marcos Madureira, os principais motivos para o aumento dessa magnitude foram:

• combustíveis – aumento dos custos com geração termelétrica em 2021, durante a crise hídrica;

• covid – reajustes de 2021 foram inferiores ao necessário por causa da pandemia, o que jogou as diferenças para este ano;

• custos com crédito – a bandeira tarifária não foi suficiente para cobrir as despesas com geração, levando distribuidoras a contrair empréstimos para fechar as contas.

Segundo Madureira, a atitude da Câmara dos Deputados pegou o setor de surpresa. Ele afirma ser a primeira vez que um PDL é usado para tentar suspender os reajustes.

“Os reajustes são elementos previstos dentro dos regulamentos e leis do setor elétrico. Então, são constitucionais e regulados pela Aneel. Entendemos que cabe à agência reguladora e mostrar como esse processo é realizado, como tem feito de forma bastante transparente”, disse Madureira.

O presidente da associação afirma que, atualmente, em média 20% do que os consumidores pagam nas tarifas se refere à parcela que vão para as distribuidoras. Os outros 80% são em encargos, custos de geração e transmissão, e subsídios.

Nesse sentido, Madureira afirma não haver o que se negociar em relação ao que já foi autorizado pela Aneel, pois os reajustes não são para as distribuidoras, mas para diversos agentes do setor elétrico. Diz que não sabe precisar os impactos financeiros que as distribuidoras terão, caso o projeto seja aprovado, uma vez que isso varia de empresa para empresa.

“Trazer um problema de faturamento para as empresas é trazer para toda a cadeia. A distribuidora é o elo final. O dano maior e mais importante é de credibilidade para investimentos de investidores que pensam em atuar no setor elétrico”, disse.

Alexei Vivan, diretor-presidente da ABCE (Associação brasileira das Companhias de Energia Elétrica), afirma que em 2021 as distribuidoras tiveram um custo acima do normal, para comprar energia das usinas termelétricas que foram ativadas para suprir a falta de geração das usinas hidrelétricas.

“Esse custo, infelizmente, tem que ser arcado por quem se beneficiou da falta de racionamento, que foram os consumidores em geral. Não remunerar por esse custo seria quase um calote nas distribuidoras, que compraram, venderam e não receberiam o valor”, disse Alexei.

Segundo Alexei, a medida traria um desequilíbrio econômico-financeiro às empresas, o que exigiria um novo socorro por parte do governo e resultaria em reajustes maiores ainda num futuro próximo.

“Além disso, isso traz uma imagem muito ruim para novos investimentos, de que o Brasil tanto necessita, principalmente em geração. Passa uma imagem de que as regras não são cumpridas. Seria descumprir contratos. Acreditamos que os congressistas terão a responsabilidade de não aprovar algo que será nefasto para o setor elétrico e para novos investimentos. A pretexto de beneficiar os consumidores, eles estariam prejudicando no médio e longo prazo”, disse Alexei.

Nesta 4ª feira, a Comissão de Minas e Energia aprovou convite a representantes da Aneel para que compareçam a uma audiência pública para prestarem esclarecimentos sobre os processos de reajustes tarifários. Também foram convidados representantes da Enel Ceará, da Cemig e da Copel.

A Comissão pretendia, inicialmente, votar uma convocação, mas houve um acordo para que fosse alterado para convite. Com isso, os representantes não são obrigados a comparecer. Ainda não há data prevista para a audiência pública.

*Link da matéria: https://bit.ly/3KIdL0B