Especiais: Mercado de carbono: setor aposta na aprovação do PL, mas aponta incertezas

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Especiais:  Mercado de carbono: setor aposta na aprovação do PL, mas aponta incertezas

Especiais: Mercado de carbono: setor aposta na aprovação do PL, mas aponta incertezas

Postado em: 16/02/2024

Especiais: Mercado de carbono: setor aposta na aprovação do PL, mas aponta incertezas

Participação no mercado regulado divide o setor elétrico e é posta em dúvida por representantes da sociedade civil

A proposta de criação do mercado regulado de carbono pode ser aprovada ainda no primeiro semestre deste ano, mesmo com a disputa política entre as duas casas do Congresso Nacional pelo protagonismo na agenda legislativa. Existe uma expectativa no setor elétrico de que o projeto de lei que passou pela Câmara em dezembro e foi distribuído no Senado no início do mês de fevereiro possa ser incluído na pauta prioritária pelas lideranças partidárias, no retorno do Carnaval. O tema foi listado pelo governo, na mensagem enviada ao Congresso no retorno do recesso parlamentar.

O PL 182 (nova numeração no Senado do PL 2148) é considerado um dos projetos da chamada pauta verde com mais chances de aprovação em 2024, por ser um texto redondo, simples e menos controverso que outros marcos legais em tramitação no Congresso.

Muitas dúvidas cercam, no entanto, a proposta que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), considerado o texto possível, mas longe de ser o ideal por representantes do setor. Um delas é sobre os impactos da retirada do setor agropecuário, que lidera a lista dos maiores emissores de gases de efeito estufa no país, ao lado do desmatamento.

O PL 2.148 é considerado um avanço em relação ao PL 412, que foi aprovado pelo Senado antes da proposta da Câmara, mas acabou arquivado por uma manobra regimental do presidente da casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). Apesar disso, há muitas incertezas, segundo especialistas de organizações da sociedade civil e do próprio setor elétrico. O setor não sabe, por exemplo, se vai estar incluído pela lei no mercado de carbono, tendo que cumprir metas anuais de redução de emissões. E também está dividido sobre os impactos positivos ou negativos dessa inclusão.

Há boatos de que a proposta pode ser relatada no Senado pela senadora Leila Barros (PDT-DF), que foi relatora do PL 412, e provavelmente passará por alterações. Com a decisão de Lira em optar por um projeto originário da Câmara, os deputados terão a palavra final sobre eventuais mudanças dos senadores.

“Essa pauta é muito positiva para o Congresso, e uma pauta que também interessa ao governo. Então, mudou o ano, mas a prioridade política desses assuntos continua vigente em 2024,” avalia Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria. Ele destaca que o mercado de carbono, especificamente, é uma matéria que já foi muito discutida no Senado em 2023.

Pauta interessa ao Congresso e ao governo.
Leandro Gabiati, da Dominium Consultoria

Na Câmara, apesar do arquivamento do PL 412, avalia o cientista político, a linha vertebral da proposta votada pelos deputados é marcada pelo texto que veio do Senado. A definição dos temas da pauta para o mês de março vai acontecer no retorno dos parlamentares, depois do Carnaval. Para Gabiati, há espaço nessa discussão para o mercado de carbono.

O cenário que tem mais força, na opinião do diretor da Dominium, é a tendência de que o assunto seja resolvido de forma rápida e a matéria avance no Senado. Se forem feitas mudanças no texto, ele volta para a Câmara, onde também teria uma tramitação rápida, permitindo que o PL vá à sanção presidencial ainda no primeiro semestre. O ideal seria então que o processo fosse concluído nesse período, porque depois disso tem a sucessão na Câmara e no Senado, o que desvia um pouco a atenção dos parlamentares e diminui o espaço para discussão de projetos. No segundo semestre tem também as eleições municipais, que acabam mobilizando deputados e senadores em suas bases eleitorais.

Uma segunda possibilidade é de haja algum problema e o projeto fique para o segundo semestre, mas com alguma chance de aprovação. “O setor talvez é que não esteja tão satisfeito porque pretendia um marco regulatório mais ambicioso. Os ambientalistas provavelmente também estão insatisfeitos, porque também pretendiam um marco regulatório mais amplo”, afirma o diretor da Dominium.

Não está clara qual será a participação do setor elétrico Júlia Sagaz, do Fmase

A inclusão desses assuntos nas prioridades do Poder Executivo também é um fato importante e que contribui para que a matérias da pauta verde permaneçam em evidência. “De um ponto de vista ambiental teria sido positivo que a matéria fosse mais ambiciosa. Agora, do ponto de vista político, em uma visão mais realista, o texto foi o possível”, diz Gabiati.

A diretora socioambiental da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) e coordenadora do GT Licenciamento Ambiental e de Recursos Hídricos do Fórum do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (Fmase), Júlia Sagaz, aponta problemas no texto em tramitação, como o cálculo das multas vinculado ao rendimento bruto da empresa e a ausência do setor produtivo nas decisões do órgão gestor do SBCE.

“Eu acho que muitas dessas dúvidas podem, sim, ser retiradas na parte de regulamentação. Mas outras, como essa questão das penalidades da governança, são coisas que a gente precisa mexer na lei. E a tributação. Esse PL não prevê nenhum tipo de incentivo para redução de carbono.”

Todas os pontos questionados foram apresentados pelo Fmase à relatora no Senado, na época em que o PL 412 saiu do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, conhecido como Conselhão, relata Júlia. Para a especialista, ainda não está claro qual seria a parte do setor elétrico, porque o projeto não fala em outros setores além do agropecuário.

“Em conversas com os ministérios envolvidos, eles falam que como o setor elétrico tem uma emissão muito baixa, considerando ainda que as térmicas vêm para garantir o sistema, que elas não têm controle de despacho, que é do ONS (Operador Nacional do Sistema), a princípio eles falam que o setor elétrico não entraria. Mas ainda não está claro isso no projeto, e provavelmente essa questão de setores vai ser melhor decidida numa regulamentação”.

“As empresas térmicas querem estar fora, mas as hídricas não querem. Não existe uma unanimidade dentro do setor quanto a isso, então, até por via disso, talvez seja melhor discutir na regulamentação. Quando a gente tiver já uma lei em que a gente possa ver as possibilidades”, completou Júlia.

Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Instituto Talanoa, lembra que o custo de reduzir as emissões varia de indústria para indústria. E o mercado regulado existe para que tanto os setores industriais quanto outras atividades se descarbonizem. “Não é para punir ninguém. É assim: eu quero que daqui a 30 anos toda a indústria brasileira que emite carbono pare de emitir.”

Watanabe diz que há muita confusão na percepção que alguns segmentos tem do papel do mercado regulado, e reforça que não é “um jogo de ganha ganha.” “É um jogo para fazer a transformação energética. Existe um sinal econômico para isso.” O especialista prevê que o setor de energia deve ser incluído nesse mercado, principalmente térmicas fósseis, à exceção das plantas a diesel dos sistemas isolados.

Mercado regulado é um jogo para fazer a transformação energética. Shigueo Watanabe, do Instituto Sinaloa

Os geradores térmicos, segundo Watanabe, não estão muito entusiasmados com a possibilidade de participar desse ambiente, pela própria exigência do cumprimento de cotas anuais de emissões. “Pelo que eu tenho acompanhado das conversas, o setor de energia, principalmente as termelétricas com combustível fóssil, estão loucas para poder sair desse negócio do mercado regulado.”

Ele não vê fontes renováveis como usinas eólicas e solar fotovoltaicas se beneficiando da venda de créditos de carbono no mercado externo. Lembra que projetos brasileiros chegaram a ganhar dinheiro entre 2005 e 2012 com créditos no mercado europeu. Existiam, na época, mais ou menos 250 projetos cadastrados. Só que com a recessão europeia e créditos demais no mercado eles fecharam a porta para projetos que não sejam de pequenas ilhas e de países muito pobres.

E há quatro ou cinco anos, as duas principais certificadoras de crédito de carbono no mercado voluntário decidiram que o preço da eólica e da fotovoltaica caíram tanto que os projetos não precisam mais de crédito de carbono. “Nesse mercado não existe mais possibilidade de eles entrarem”, conta o pesquisador, acrescentando que apenas uma certificadora do Catar, que entrou no mercado nos últimos dois ou três anos, está aceitando créditos de projetos de energias renováveis.

Nesse cenário, ele acredita que talvez o mercado de carbono ajude os projetos do setor que não conseguem sair do chão por falta de recursos. E há ainda uma outro ponto, que é a eventual atualização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, previsto no do Artigo 6º do Acordo de Paris. Muito provavelmente, segundo o pesquisador, nessa atualização eles vão colocar que fotovoltaica, eólica e as grandes hidrelétricas não são energia para esse mercado.

Roberto Kishinami, Coordenador Sênior no Instituto Clima e Sociedade, é pessimista em relação à própria capacidade de se estabelecer no Brasil um mercado de carbono, pensando em termos de emissões fósseis. É por isso, segundo o pesquisador, que a discussão, na verdade, deslocou-se para o carbono florestal, que é um tipo diferente do fóssil.

“O setor de energia elétrica em particular tem uma uma emissão por energia gerada que é muito baixa. O que significa que o total de carbono que você tem na geração elétrica é muito pequena para, digamos, influir ou ter algum peso em qualquer tipo de mercado de carbono no Brasil. Os volumes transacionáveis seriam baixos e isso significa que a demanda por créditos de emissão seria muito baixa”, analisa Kishinami.

Setor de energia elétrica tem uma emissão por energia gerada muito baixa.
Roberto Kishinami, do Instituto Clima e Sociedade

Ela argumenta que para segurar um mercado grande de carbono seria preciso ter compradores num volume significativo. Não vai ser o caso do Brasil, porque os grandes emissores da indústria, por exemplo, são os setores tradicionais de siderurgia, cimento e química, que são normalmente, nos mercados tradicionais, os inicialmente protegidos.

Na opinião do especialista do ICS, a própria aprovação do PL do carbono esse ano no Congresso vai depender de fatores externos. A perspectiva de não sair o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia pode ser um empurrão para a aprovar a legislação do novo mercado, protegendo exportações da indústria brasileira de eventual sobretaxação. De modo reverso, se a UE avançar na definição de quais tipos de carbono eles vão aceitar e excluir, por exemplo, créditos florestais, isso pode tirar um pouco da força do PL.

“Tem varias incertezas. Até porque, na verdade assim, em termos de políticas climáticas globais, não há, digamos, uma situação tão otimista como havia no passado, de que a União Europeia iria cumprir as suas metas. Está todo mundo, na verdade, ficando para trás no cumprimento de metas de redução das emissões,” afirma Kishinami.

A coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da Associação Brasileira das Companhias de Energia (ABCE), Renata Fonseca, lembra que as atenções do setor elétrico estão voltadas para o PL 2148, porque é importante saber quem vai, de fato, participar do mercado regulado e quem vai ficar no voluntário, que hoje não é suficiente para atender todas as metas de redução de emissões de assumidas pelo Brasil.

“Acho que esse mercado regulado vem também muito no anseio de atender essas metas do país para redução de emissão de gases do efeito estufa. Então, regular também tem esse papel. E aí também é uma preocupação nossa no projeto de lei, porque quando a gente exclui alguns setores do mercado regulado fica difícil atingir essas metas.”

Exclusão de setores do mercado regulado dificulta cumprimento de metas de redução das emissões.
Renata Fonseca, da ABCE

Na regulamentação da lei regras específicas deverão ser estabelecidas para cada setor dentro do mercado regulado. Renata Fonseca lembra que no setor elétrico, por exemplo, as usinas não tem liberdade de produzir energia na quantidade que elas poderiam, porque geram a partir de uma demanda do sistema. Dessa forma, elas não tem uma atuação voluntária nem na geração, nem na emissão de gases. “Para esse tipo de peculiaridade, vão ter que ser criadas regras específicas, que não estão no projeto de lei”, destaca a especialista da ABCE, lembrando que ainda que a lei seja aprovada, o mercado não está pronto para começar a operar.

A presidente executiva da Associação Brasileira do Biogás, Renata Isfer, defende a necessidade de marcos legais para o carbono, os combustíveis renováveis e o hidrogênio. Mas cada dia de indefinição em relação a esses temas são oportunidades perdidas. “Cada dia que você não incentiva a gente nessa pauta da transição energética é mais um dia que a gente acaba sendo pautado pelas necessidades de outros países que não têm as mesmas características que as nossas e, principalmente, não tem a mesma riqueza que o Brasil tem no que se refere a energia renovável.”

Cada dia de indefinição em relação a pautas da transição são oportunidades perdidas.
Renata Isfer, da Abiogás

Em relação ao mercado do carbono, é importante, na avaliação da executiva, que Câmara e Senado conversem para chegar a uma redação que faça com que a lei saia do papel. Ela vê o mercado como uma oportunidade para todos, mas ainda mais importante para o segmento de biogás, que ainda não teve ganho de escala. “A gente produz 2% do nosso potencial que tem no Brasil, só usa 2% dos resíduos. Temos uma participação baixa na matriz energética hoje, por não aproveitar muito disso.”

“O texto que está lá é o texto possível, mas ele não é o texto desejável. Ele está razoavelmente longe do texto desejado, mas é o que foi possível no processo de negociação”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Élbia Gannoum. A executiva considera um avanço ter uma lei de mercado regulado, mas lembra que o Agro, um importante fator do carbonização no Brasil, ficou fora da proposta. Ela acredita que o PL deve ser o primeiro entre as propostas da pauta verde a ser aprovado.

Partindo do principio de que a ordem global é buscar uma economia mais descarbonizada, o caminho para os setores produtivos é fazer a substituição das suas matrizes de produção, adotando processos mais limpos, diz a executiva. Isso já acontece hoje de maneira voluntária.

Empresas devem investir para reduzir emissões, e isso tem impacto econômico para os vendedores de energias renováveis.
Élbia Gannoum, da Abeeólica

Com a exigência do cumprimento de metas de emissão, a tendência é que as empresas invistam fortemente para cumprir suas cotas, e isso tem um impacto econômico para os vendedores de energias renováveis, diz a presidente da Abeeólica. “Como que entra o mercado de carbono nessa história? Entra quando você imagina processos produtivos e consegue descarbonizar. E em algumas situações em que você não consegue, você não tem oferta de energia suficiente. Por exemplo, os países europeus, que não tem tantos recursos renováveis, eles podem ter carbono superior àquilo que é estabelecido pela legislação. Aí eles vão continuar emitindo CO2, só que eles vão poder comprar créditos de carbono de outros processos produtivos que tem sobra de crédito.”

Élbia explica que projetos de fontes como eólica e solar, por exemplo, não vão receber nenhum benefício associado ao crédito de carbono, porque já nasceram descarbonizadas e estão fora, portanto, do conceito de adicionalidade. “Eu não estou devendo nada e não vou ganhar nada. Então, a planta de energia em si, ela não tem valor no que se refere ao carbono. Eu não vou ser remunerada por isso. Onde está a minha remuneração? Ela vai acontecer porque o cara que vai contratar uma energia, que está buscando descarbonizar o seu processo produtivo, vai preferir comprar de mim do que de uma termelétrica.” O mesmo principio se aplica a quem tem a floresta preservada e não recebe nada por isso, e a quem tem uma área degradada, que recebe por recuperar aquela área.

Bruno Herbert Batista Lima, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia Presidente da (Abesco), destaca que há uma grande relação entre crédito de carbono e eficiência energética. “Dá sim para se gerar crédito de carbono a partir de projetos de eficiência energética. E esse é um caminho interessante do ponto de vista da economia e da sustentabilidade”, diz o executivo.

Ele observa que o conceito geral é ir para uma base, que seria o padrão de consumo. Depois, cria uma relação de quantas toneladas de carbono é preciso para gerar 1 kWh de energia. E a economia gerada quando há um projeto de eficiência energética parte da relação de quais seriam as toneladas de carbono valentes economizadas por não ter a necessidade de gerar energia.

Claudio Olímpio, fundador da Prospera+ Greener, também tem esperança de que o projeto seja aprovado até junho. Ele avalia que o Brasil está bastante atrasado e pede mais celeridade nesse processo. “Por mais que tenha uma série de itens ainda que precisam ser regulados dentro dessa jornada, mas a gente precisa pelo menos acelerar o processo de regulamentação desse mercado. Fazer valer o SBCE de verdade. Isso é importante para nós, importante até para nossa presença global.”

O executivo diz que o principal ponto da regulação de mercado é o que vem nesse processo de limitação de emissões, que é a conscientização e o direcionamento da indústria, para que as empresas entendam seu impacto. O modelo cap&trade, que está sendo indicado na proposta que está no Congresso estabelece tetos de poluição por setor, com uma quantidade de emissões que são permitidas de acordo com o perfil e o segmento.

A partir daí, há um olhar para dentro da indústria e das empresas do que pode ser feito para um processo de melhora. E, eventualmente uma visão de que a empresa pode não atingir 100% da meta de redução da pegada de carbono com a adequação dos processos internos e precise ir ao mercado, auxiliando, por exemplo, em um processo de conservação de florestas, de manutenção da biodiversidade.

Principal ponto da regulação de mercado é a conscientização da indústria, para que as empresas entendam seus impactos.
Cláudio Olímpio, da Greener

Olímpio observa que o mercado de carbono é complexo pela natureza e pelo próprio título. Quando se fala carbono, ele entende que são mais de 170 tipos de ativos existentes no mercado, e o que está acontecendo é que estão nascendo empresas para cada um desses tipos. “O que a gente direciona aos clientes, fala para o mercado, é: procurem ativos que tenham governança, integridade. Procurem metodologias que façam sentido nessa jornada. Procurem especialistas que atuam com empresas credenciadas. E quando a gente fala do nosso processo de governança e integridade, ele possui dez passos plenamente íntegros e com empresas especializadas em cada um dos segmentos.”

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