ABCE na Mídia
Governo impõe restrições a empresas distribuidoras de energia e setor aprova com ressalvas
Postado em: 21/06/2024
Governo impõe restrições a empresas distribuidoras de energia e setor aprova com ressalvas
Regras para o setor deveriam ter sido publicadas há dois anos e são base para os grandes grupos econômicos tomarem decisões de investimento
A publicação do decreto que regulamenta a licitação e a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica e estabelece diretrizes para a modernização das concessões desse serviço público foi bem aceita pelo mercado, apesar de trazer alguns pontos considerados polêmicos.
Havia muita expectativa sobre o decreto, já que as regras para o setor deveriam ter sido publicadas há dois anos e são base para os grandes grupos econômicos tomarem decisões de investimento. O decreto reúne 17 diretrizes e afeta diretamente 20 distribuidoras de energia que atendem 57 milhões de consumidores e com contratos previstos para serem encerrados no período de 2025 a 2030. As concessões são controladas por sete grandes grupos do setor — Neoenergia, Enel, CPFL, Equatorial, Energisa, Light e EDP — e respondem a cerca de 60% do segmento de distribuição.
Para Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), o texto é positivo e estabelece de uma forma mais objetiva aquilo que deverá constar dos contratos. Por outro lado, ele levanta um ponto de atenção sobre uma possível “interferência desnecessária na gestão das distribuidoras”.
“Tem um ponto que fala da limitação de dividendos, da distribuição de dividendos. Esse é um ponto sensível. Temos que ver como é que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vai tratar esse ponto, porque a gente tem que lembrar que os investidores, para investir, eles precisam de segurança jurídica, de garantia de retorno”, afirma.
O texto estabelece a limitação do pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio, respeitados os limites mínimos legais, além de limitar novos atos e negócios jurídicos entre a concessionária e suas partes relacionadas no caso de descumprimento de indicadores de qualidade técnica, comercial e econômico-financeiros.
A Abradee, associação que representa as distribuidoras de energia elétrica, por diversas vezes disse estar preocupada com este ponto. A entidade vinha alertando que, da forma como estava sendo divulgada, a proposta poderia trazer insegurança e afastar investimentos, impactando diretamente os serviços prestados aos consumidores. Procurada, a entidade ainda não respondeu ao pedido de nova entrevista.
O ministro Alexandre Silveira (PSD/MG), por sua vez, contra-argumenta que é importante priorizar a qualidade no fornecimento, tratando com rigor aspectos como indicadores que medem a duração e a frequência de interrupções de energia por unidade consumidora (DEC e FEC, na sigla do setor elétrico).
Por parte dos clientes, o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, considera positivo o endurecimento do governo em relação às distribuidoras, já que, segundo ele, o serviço prestado à população é ruim e os indicadores de qualidade não podem ser auditados.
Outro ponto do decreto foi a introdução da necessidade de maior resiliência dos sistemas aos eventos climáticos extremos, o que é uma novidade. Especialistas são categóricos ao afirmarem que a rede de energia não tem condições de suportar os eventos climáticos cada vez mais extremos.
O que motivou este tópico foi o caso da distribuidora Enel São Paulo, cujo contrato com o governo encerra-se em 2028. Em novembro de 2023, fortes chuvas causaram um apagão na área de concessão da companhia, deixando 2,1 milhões de unidades consumidoras (US). Neste mesmo ano, o investimento da empresa diminuiu 16,14% e a base de clientes aumentou em 168,2 mil.
No entendimento do professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde de Castro, a promulgação do decreto é um marco no processo de aprimoramento do setor elétrico brasileiro, visto que o segmento de distribuição tem um papel relevante na cadeia de valor, respondendo por parcela significativa do faturamento global do setor.
“O aspecto mais importante é que o decreto se insere no processo de transição energética. Nós sabemos que a transição impacta o setor como um todo, notadamente o segmento de distribuição, que é onde ocorrem todas as inovações tecnológicas e desenhos de mercado. E novos contratos já estão se dando, como é o caso de geração distribuída, como vai ser o caso de mobilidade elétrica e do empoderamento do consumidor no mercado livre, em que as distribuidoras terão um papel importante […]. Então os investimentos no setor de distribuição vão continuar sendo feitos”, afirma.
A sócia da área de Energia e Recursos Renováveis do Demarest Advogados, Rosi Costa Barros, pondera que o texto traz algumas incertezas para os titulares das concessões atuais no processo de tomada de decisão sobre a prorrogação ou não, como a exigência de um índice para o atendimento da obrigação de eficiência na gestão econômica-financeira de forma sustentável e a definição de que os aditivos aos contratos deverão assegurar o aprimoramento das condições econômicas da concessão.
“Essa previsão aponta para um cenário em que tal medida será necessária, no entanto, também traz uma certa incerteza sobre as medidas que de fato serão tomadas. E, finalmente, ao optar pela prorrogação, a concessionária admite que não poderá ser ressarcida por eventual abertura do mercado de energia, devendo, portanto, mirar suas análises, para esta tomada de decisão, na atividade de disponibilização da rede de distribuição”, afirma.
Link da matéria: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/06/21/governo-impoe-restricoes-a-empresas-distribuidoras-de-energia-e-setor-aprova-com-ressalvas.ghtml