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Reportagem Especial: Tensão e atenção no período seco
Postado em: 18/06/2021
TENSÃO E ATENÇÃO NO PERÍODO SECO
Crise hídrica acentuada causa impactos no Sudeste, exige tomada de decisões e traz reflexões sobre metodologia
O lago de Furnas cobre uma superfície de 1.406,26 Km² e abrange mais de trinta cidades mineiras. Não é de agora que a seca vem dando sinais na região, mas esse ano, com o nível do lago mais baixo, o impacto tem sido grande. Na Associação dos Municípios do Lago de Furnas, o secretário executivo Fausto Costa elege atividades como turismo, pesca esportiva e piscicultura como as mais afetadas pela crise hídrica. “Com o lago baixo, o prejuízo vem de imediato na questão do turismo. Temos hoje hotéis, pousadas, restaurantes, todos fechados. Não temos condições de planejar eventos, isso tudo fica prejudicado”, avisa.
Costa conta que desde 2012 o lago vem operando da metade da capacidade para baixo. Segundo ele, o prejuízo no turismo é imediato e no longo prazo, uma vez que o turista que não vem esse ano não garante o retorno em outra oportunidade. Pelo tamanho do lago, algumas regiões são muito mais afetadas que outras. O secretário da Alagoas também pede o término de uma obra em Nova Avanhandava que interfere no volume.
Por conta dos níveis reduzidos, a bandeira vermelha deve ficar acionada pelos próximos meses, o que causa insatisfação nos consumidores. O temor de um racionamento de energia similar ao de 2001 também recrudesce. Em reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o ministro Bento Albuquerque afastou o risco de apagão, mas a alta dos preços ficou no radar de Lira. “Não acredito que tenha apagão, pode ter energia mais cara por causa do uso das térmicas”, disse Lira ao fim do encontro a jornalistas.
Em 2014, o país também viveu uma forte crise hídrica, em que os reservatórios foram a níveis mínimos. Para Alexei Vivan, do escritório Tocantins & Pacheco Advogados, na época o racionamento deveria ter sido decretado para recuperar os reservatórios e se optou por uma operação arrojada. “O que não se fez de lá para cá foi construir UHEs ou UTEs para recuperar os reservatórios, porque desde então eles nunca mais se recuperaram em padrões de segurança, que seriam acima de 50%”, aponta.
Desde então, segundo Vivan, a realidade tem sido de reservatórios baixos, com períodos úmidos que os deixaram em níveis de 40% a 45%, longe de um padrão de segurança e conforto. “Para isso precisaria despachar térmica o tempo inteiro, o que levaria o custo de energia às alturas”, ressalta. A preocupação do advogado, que também não teme racionamento para esse ano, é com 2022, pela situação que os reservatórios podem enfrentar ao fim do período seco.
O professor Adilson Oliveira, da UFRJ, também considera que a problemática da água não é recente. Para ele, o modelo Newave não faz uma boa gestão dos reservatórios e sim apenas do preço da energia. “Ele procura minimizar o custo da energia elétrica, na expectativa que as chuvas serão historicamente aquelas que aconteceram no passado”, observa. Oliveira vai além e diz que as mudanças climáticas e a passagem do tempo não estão sendo levadas em consideração nas previsões. “Planejar o uso dos reservatórios baseado no que aconteceu na década de 50 e 60 é equivocado por causa desse problema da mudança climática”, alerta. Ainda segundo ele, houve um aumento da população e da agricultura que levaram a um crescimento na demanda de água.
Para ele, que participou da conferência ‘Amanhãs Desejáveis’, o planejamento deve considerar que não teremos mais tanta água como no passado. Segundo Oliveira, a crise hídrica trará um baque econômico ao país e atrapalhará os planos de retomada do crescimento. Mas a gestão do governo federal pode dimensionar o tamanho do estrago. “Hoje o governo teria que tomar medidas drásticas com relação ao uso da água, despachar térmicas e negociar com os consumidores intensivos, para não chegar em setembro em situação dramática, além de fazer campanha para mais cuidado com uso da água nas residências”, adverte. O professor também sugere que um forte investimento em geração distribuída fotovoltaica residencial poderia auxiliar o sistema nesse momento.
O otimismo do modelo que acaba por influenciar na política de operação também é citado por Gustavo Carvalho, gerente de Preços e Estudos de Mercado da Thymos Energia, como um fator de atenção. Apesar do cenário de seca, o preço de liquidação das diferenças médio está pouco acima dos R$ 280/ MWh, longe do teto de R$ 583,88/MWh. Segundo ele, médias descoladas do presente acabam levando a distorções na política operativa. “Existe uma inconsistência entre o que está representado no modelo e a realidade operativa”, afirma. A ideia que as afluências futuras serão como as histórico indicam uma política operativa defasada. Carvalho não vê nenhum indicativo de racionamento, até pelo recuo de atividade causado pela pandemia, mas vê todas as térmicas acionadas até novembro e bandeira vermelha patamar 2 no período.
Apesar da queixa que os reservatórios estão se exaurindo ao longo do tempo, não é tão simples ‘poupar’ um reservatório. Isso envolveria pontos como contratos de energia, despacho e garantias físicas. Em Minas Gerais, o pedido é que seja cumprida a constituição estadual, que em 2020 tombou o lago como patrimônio e definiu uma cota de 762 metros. Segundo Fausto Costa, da Alagos, esse nível dá as condições de desenvolvimento de várias atividades e da geração de energia. A definição da ANA que o nível do reservatório pode chegar a 15% não foi bem recebida por Costa, que teme pelo impacto em cidades onde a baixa nos volumes ficam mais aparentes com a seca.
“Muitas atividades ficam a quilômetros de distância da água”, comenta. A associação busca convencer a ANA e ONS para uma revisão da vazão que estabeleça um nível que satisfaça todos os envolvidos. Estimativas apontam que a atividade turística na região movimenta cerca de R$ 50 milhões por ano, gerando em torno de 20 mil empregos formais.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico, outro personagem importante nessa crise hídrica, vem atuando para manter o abastecimento do sistema. Em audiência pública realizada na última terça-feira, 15 de junho, na Câmara dos Deputados, o diretor-geral do ONS, Luís Carlos Ciocchi, admitiu a gravidade da situação e revelou que os níveis no Sudeste/ Centro-Oeste podem chegar em novembro, ao fim do período seco, com volume de 10,3%. O plano de ação do operador dá foco para 2022. Foram idealizadas três ações para que se chegue a valores mais altos que os projetados.
A primeira foi a redução de restrições de vazão nas UHEs Jupiá e Porto Primavera e a flexibilização da operação dos reservatórios de cabeceira da bacia do rio Paraná, o que vai levar a um ganho de 3,8% de armazenamento no SIN. A segunda ação é reduzir o calado da hidrovia Tietê-Paraná, que daria mais 0,5% para o SIN ou parar as atividades, que traz ganho de 1,6% ao sistema. A terceira é a flexibilização nos reservatórios do rio São Francisco, que levaria a uma contribuição de 0,8% de armazenamento ao SIN. As ações permitirão mais geração nas UTEs, poupando as hidrelétricas. Ciocchi enfatizou que as medidas não vão interferir no uso consuntivo da água. “Essas ações são fundamentais, estamos caminhando bem”, comenta.
Ao mostrar os níveis dos reservatórios do Sudeste com dados do IPDO do último dia 13 de junho, o diretor do ONS revelou que desde o ano 2000, esse é o terceiro pior estoque de água na região ao fim da estação úmida, perdendo apenas para 2001 e 2015. Todas as usinas estão com armazenamento pior que no ano passado, como Marimbondo, Água Vermelha, Itumbiara, Nova Ponte e São Simão atingindo as piores marcas no século. Nas demais, a que tem a marca melhor é Furnas, com os 34,6%, mas é o quinto pior volume no século. No ano passado, o volume era de 66% no mesmo dia.
Para mitigar a crise, o Ministério de Minas e Energia cogita adiantar o começo da operação de usinas e linhas de transmissão. Em Brasília, comenta-se que a crise hídrica deve levar o governo a criar um órgão para estabelecer em caráter excepcional limites de uso, armazenamento e vazão das UHEs, para otimizar o uso dos recursos hídricos disponíveis. O nome do órgão seria Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas. Durante a semana circulou pela internet minuta de uma medida provisória que a criaria.
A câmara contaria com os titulares do MME, MMA e Casa Civil, além de órgãos como ONS, Aneel, EPE e AGU, entre outros. Para Gustavo Carvalho, da Thymos, a composição da Care é benéfica, porque reuniria as principais instituições do setor que deliberariam sobre a temática, eliminando a chance de haver algum tipo de ruído. “Não vejo nenhum tipo de conflito”, observa.
Os agentes têm buscado ressaltar que o momento é de trabalho coletivo entre todos, de maneira que as decisões sejam consensuais e não interfiram na atuação individual de cada um. “O que a gente vê é uma necessidade de atuação conjunta entre ANA, Aneel, ONS e MME, porque em um momento crítico como esse tomamos decisões de forma consensual, não uma agência tomando decisão sem caminhar com a outra”, pondera Alexei Vivan.
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